terça-feira, junho 14, 2011

Alice no País das Maravilhas – O Outro Lado da História

Ao fundo do túnel havia uma saída. Alice não a via. O Chapeleiro incitou-a a entrar com um aceno de cabeça. Sabia lá ela que e se realmente havia saída no fundo daquele labirinto. Teria de procurar. Aquilo parecia não levar nenhum. Pequenos pontos de luz bailando a um ritmo lento e desacertado por todo lado. E depois? Sair só por onde tinha entrado. Mas não resolvia nada. Teria de ver o que havia. Para a frente, então. Água, é perfeitamente normal. O que não seria perfeitamente normal era uma esfera de água. Uma bolha virada do avesso, com o ar todo de fora a envolver a água. Brilhava intensamente, reflectindo-se em estranhos mecanismos que transpunham tenuemente o movimento da água para o outro lado, brincando com os brilhos e sombras que se mexiam de tal forma que pareciam ter vida própria. E se perguntasse a si mesma de onde viria a água, sabia perfeitamente que não seria do garrafão ou da torneira. Sabia? Sabia lá! Estaria numa realidade alternativa?

Uma não. Muitas. Micro-realidades. O cenário mudara. Mas Alice não se apercebia disso. E o que tinham dentro as micro-realidades? Nada. Luz. Escuridão. Ecos. Tudo. Podia escolher o que lhes colocar dentro. Como se fossem pequenos palcos preparados para receber fugidios pensamentos que lá lhe apetecesse colocar. Fugidias peças de teatro manipuladas pelos seus sonhos, os seus desejos ou simplesmente as suas vivências. Envolviam-na. Inclinados acima da sua cabeça, como se a qualquer momento pudessem perder aquele estranho equilíbrio de limbo, fazendo desabar sobre Alice todos os pensamentos que ela já lhes atribuíra. Encolheu-se um pouco para passar.

Mais uma luz, pouco mais forte que as anteriores. E som. Palavras pouco perceptíveis, estranhas, que funcionavam como peças de puzzle que quase encaixavam entre si, mas só quase! Um ouvido atento seria capaz de notar as pausas, a respiração. E barulhos, melodias arranhadas, batidas descompassadas, um turbilhão de sons que pareciam remendos, costurados uns aos outros atabalhoadamente. A luz… não, não era incorpórea. Manipulava-se a si mesma. Manipulava um conjunto de coisas que ali estavam, qual amontoada desarrumação. Que coisas? Memórias. Memórias sólidas. Prendeu-se um momento, mas seguiu caminho.





Havia mais, queria saber mais. A entrada fora renitente, mas agora tinha curiosidade. Avançou espreitando para lá da parede. Um acampamento? Até parecia, mas não. Tinham aspecto de tendas, de facto, mas como se já ali não existissem. E nunca habitadas. Esqueletos esquecidos de abrigos. Carregados de todo o peso de vivências de criança, jovem, adulto, velho. Havia um pouco mais de luz, só em cada um dos três fantasmas de tendas, como se dependessem da luz para ali estarem, para não se desfazerem em pó, desaparecendo para sempre no esquecimento. Alice contornou, andou de volta, espreitou. Lembravam-lhe sítios, pessoas, histórias. Seguiu, entrando por um novo corredor. Agora via uma luz forte. Um feixe bem luminoso. Passou pela abertura, que parecia um véu. Negro, contrastando com a luz forte que o atravessava.


Estava no exterior. Uma brisa balançou-a. Havia muita luz, mas parecia ainda mais por ter passado tanto tempo num ambiente tão escuro. Mas depressa se habituou. Não era uma saída. Era uma abertura no cimo do labirinto, um precipício. A solução seria mesmo voltar para trás. A saída era a entrada. Mas por enquanto podia ver: havia reflexos, uma moldura para uma realidade que ela própria podia escolher. Uma moldura que separava a realidade de uma outra, ou representação. Ou talvez o contrário. Entrou, tendo o cuidado de não tropeçar na moldura. Alice era a realidade. Não. A representação da realidade. Era difícil saber qual a realidade, qual a representação. Dependia do ponto de vista, talvez da vontade. Saiu, antes de ficar presa naquele quebra-cabeças sobre ser realidade ou representação. Observou a vista daquele alto e fez o caminho de regresso. Afinal, continuava num mundo de incompreensão, onde não poderia nunca perceber o que era o sonho ou mesmo se estaria acordada, e tinha o Chapeleiro à sua espera para continuar a jornada.





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