segunda-feira, julho 13, 2015

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sábado, junho 20, 2015

O Lavrador de Ventos

            

            Se algum dia presenciares
            Que o mundo se torne quieto,
            Os mensageiros se percam
            E os amantes não encontrem desejo nem afeto,

            Grita bem alto e chora num pranto
            Porque os ventos morreram e levaram seu canto.

            Se algum dia notares
            Que o mar abranda o seu tumulto,
            Os barcos se encostam
            E os criadores de pássaros perdem o seu poder oculto,

            Grita bem alto e colhe flores
            Porque os ventos morreram e soltaram horrores.

            Se algum dia ouvires
            Que a música finda a sua melodia
            As cores se esbatem
            E os condenados se riem de tamanha ironia,

            Grita bem alto e une as gentes do mundo
            Porque os ventos morreram em sofrimento profundo.

            Antes! Antes que tal dia possa chegar,
            Muito antes que o tempo nos possa roubar
            Já o mundo conheceu tamanho poder
            Do que é ser vento e desse modo viver.

            Quando os deuses os viram nascer imperantes
            Destinados a feitos de honra e glória,
            Aos quatro de Éolo, incorpóreos descendentes,
            Pararam o tempo, reescreveram a história.

            Desejosos de vida e de cumprir o seu dever,
            Todos eles de caráter puro e de grande vontade.
            Apresentaram-se a Éolo no seu longo amanhecer,
            Devendo-lhe afiliação e a sua lealdade.

            Grandes feitos lhes atribuíram,
            Dos tempos antigos até ao dia fatal.
            Nesse dia, com tudo o que viram,
            Decidiram trocar o bem pelo mal.

            Se Bóreas era gélido e lhe aprazia a força bruta,
            Noto era falado por sua cálida conduta.
            E enquanto Euro se dedicou às suas belas tempestades,
            Zéfiro deu-se aos povos como o vento ameno das boas vontades. 

            As tempestades... Ai, as tempestades!
            Elas que assolam manias e vontades.
            A elas sopravam os ventos seus murmúrios
            Ansiosos que lhes devolvessem a revelação dos seus augúrios.

            Mas só a Euro elas se devotavam
            Como se apenas ele conhecesse sua intenção irrevelada
            A ele deviam e a ele o consolavam,
            Volvendo os mares na noite e os céus de madrugada.

            Foi num desses seus enamorados devaneios
            Que barcos viraram em longas viagens,
            Semeando no mar corajosos marinheiros
            Impedidos jamais de encontrar salvas margens.

            Assim se faziam as viagens pelo oceano,
            Atribuladas para novos e velhos navegantes.
            Cresciam as vítimas e os destroços ano a ano,
            Criavam-se as lendas dos mares de gigantes.

            Em tempos quentes se alegrava Noto
            Viajava sozinho, emanando calor.
            À passagem de cada caminhante devoto
            Iludia a paisagem com desejos de valor.

            Caminhantes o seguiam, sempre cobiçosos
            De maravilhas perdidas em longínquo momento.
            Acabavam abandonados, assaz sequiosos,
            Desejando apenas manter o alento.

            Um a um, se corrompiam os ventos.
            Não viam tal coisa, achavam-se inocentes.
            Deixando tombar nobres intentos,
            Desfaziam-se de tão educadas mentes.

            Éolo os olhava, de olhar paterno
            Também não via, sempre os perdoava.
            Aquele olhar de carinho eterno
            Nunca veria o que o coração deturpava.

            Bóreas acompanhava comandantes de guerra:
            Era o senhor dos segredos velados.
            Semeava a discórdia por toda a terra.
            Quando esses segredos eram revelados.

            Controlava guerreiros como peões de xadrez,
            Prolongava batalhas de inverno a inverno
            Em que cada homem esperava a sua vez
            Para ver na neve o seu poderoso inferno.

Por fim também Zéfiro se corrompeu
            Levando consigo os pobres penados
            Olhou o mundo pelos desejos que concedeu
            Viu homens desejando verem-se acabados.

            Levou essas vidas, muitas colheu.
            Paz eterna sempre lhes foi negada.
            Penaram o mundo, vagueando no céu,
            “Era melhor”, assim Zéfiro pensava.

            Os deuses olhavam tais atos perdidos
            Desencantados com os filhos que Éolo criara.
            Esperavam melhor, atos comedidos,
            Atitudes até de imponência rara.

            Reuniram-se então em divino concílio,
            Pensando qual seria a melhor decisão:
            Optaram por lhes dar o eterno exílio,
            Apartados no mundo, em perpétua solidão.

            Após tantas aventuras, foram então condenados.
            Um a um, foram sendo abandonados.
            Eu, o da severidade, entregue à minha própria sorte
            Fui deixado no velho, isolado e frio Norte.

            Ao que amava as ondulantes tórridas brisas
            Foi-lhe deixada a areia no árido deserto.
            Leva chuvas de formações nebulosas imprecisas
            Aos habitantes dos trópicos, quando está perto.

            Ao que por tempestades se enamorou eternamente
            Foi entregue a terra longínqua do sol nascente.
            E por fim, ao mais agradável e eloquente,
            Serviu-lhe o ocaso, no ocidente.

            Éolo ficou só e desolado,
            Entregue a si mesmo num tempo infinito.
            Melhor seria ter o coração arrancado,
            Seria castigo menos maldito.
           
            Desde então lavra o ar e os seus habitantes,
            Cultivando nobreza e atitudes diligentes
            De ventos crescidos e pequenas rajadas
            Para que as famílias não possam mais ser separadas.

            E em cada dia que ouvires
            Que o ar te trauteia de canto demorado,
            O mundo se move
            E tudo faz sentido, tudo está ordenado,

            Canta bem alto em terra e no mar,
            Que os ventos estão vivos e dominam o ar.